sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Duelo

Foi naquele momento que eu resolvi olhar. Virei minha cabeça para o lado direito. Mas tão pouco, que apenas com o canto do olho vislumbrei a figura. Eu sabia que também estava sendo observado. Eu teria que ser discreto. Ela estava ali, como sempre, no silêncio e na imobilidade. O telefone começou a tocar, mas eu permaneci imóvel também. Nada poderia me distrair naquele momento. Dessa vez, eu conseguiria manter meus olhos fixos nela. Até o final.

Eu já esperava por esse momento há algum tempo. Agora, seria mais fácil, já que a posição que ela ocupava na sala era de fácil acesso. Um simples deslocamento de minha cabeça à direita já era suficiente para encará-la sem maiores esforços. Se comparada com as outras vezes, essa seria `fichinha’. O duelo estava ganho, e eu era o vencedor.

Ela não me amedrontava, mesmo com aquele olhar frio e esbugalhado. Olhos redondos, expandidos para fora das órbitas, mantinham-se fixos em mim. Sempre. À distância que estávamos, seus olhos eram sem brilho, embora parecessem mirar sua presa. Sua pele era pálida, parecia fria e lisa. Nada bonito de se observar. Mantinha seus dedos esticados e abertos numa posição pronta para um movimento rápido e rasteiro. Mas eu não me intimidava.

Já se haviam passado vinte minutos e permanecíamos na mesma posição, olhos nos olhos. Os músculos do meu pescoço começavam a manifestar o desconforto. Mas eu não desistiria. Nem mesmo a dor muscular de um torcicolo poderia interferir. Não dessa vez.

O telefone tocou novamente, mas agora era aquele bip familiar sinalizando a minha derrocada. E a voz que atendeu, um tanto melosa, respondeu com um “sim senhor”. A secretária levantou-se de sua cadeira, por traz do balcão e acenou para mim. Olhei para o relógio confirmando minha previsão. Era minha vez de entrar. Bufei por dentro. Respirei fundo, voltando meu olhar para a senhora que me indicava o caminho de sempre. Sorri gentilmente, enquanto me punha de pé. Dei as costas para a gélida figura na parede, mas antes de me ausentar da sala e adentrar a outra, voltei-me em sinal de despedida para a lagartixa que se mantinha imóvel, como uma pedra a me encarar. Lancei meu olhar de reverência pela sua vitória.

Ainda não tinha sido dessa vez. Mas na próxima semana eu venceria.

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